quinta-feira, 24 de junho de 2010


Estar indiferente é abandonar toda tentativa de interferir nas coisas, de mudar; o que acaba tornando a violência, a corrupção, o desrespeito, um hábito. [...] O que choca, hoje, no Brasil, não é tanto a quantidade de crimes e escândalos políticos que vemos todos os dias nos jornais, mas a absoluta indiferença com que reagimos a tudo isso. Talvez este seja um sinal de um desejo de destruir o que não temos coragem de transformar
VIVIANE MOSÉ, Ser ou não ser: ética X indiferença. Rede Globo: Fantástico, 29 de outubro de 2006.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Política como espaço de fala e ação na luta contra a banalidade do mal





Entendemos banalidade do mal como indiferença a acontecimentos que ferem a condição humana. Considerar normal crimes contra a pessoa humana, seja na sua individualidade ou coletividade é banalizar os direitos da pessoa humana de sua condição social ou política.


No livro Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt expressa a sua indignação frente aos procedimentos dados no julgamento de Adolf Eichmann pelos crimes de guerra cometidos contra aos judeus na 2ª guerra mundial. O desenrolar dos fatos mostra que o monstro perverso, nada mais é do que um homem comum, servidor público, cumpridor dos seus deveres, alienado moralmente das conseqüências dos seus atos, um “Maria-vai-com-as-outras”, uma “folha-de-bananeira” como o senso comum costuma convencionar.
Ficou a dúvida de que o enforcamento do réu foi de fato justo frente aos erros cometidos, tendo em vista a falta de consciência no cumprimento de suas tarefas e do mau uso da teoria de Kant.

Era este homem convicto do sistema imposto de então? Conhecia os pressupostos do Programa de Governo do qual fazia parte? Era um inimigo do povo judeu e agia de acordo com o pensamento de que esse povo pertencia ao submundo, era uma subclasse a ser isolada, maltratada, exterminada?

Hannah, na sua cuidadosa observação ao tratamento dado ao réu, constatou que naquele momento, alguns judeus, e não o povo judeu, se vingavam, na figura de um homem, repugnantemente insignificante, toda a dor sofrida por eles, e de certa forma cavada, em anos de luta por um espaço na polis. Questiona até mesmo se o enforcamento foi pior do que a vida que Eichmann levava na Argentina.

Não foi provado que Eichmann tenha se envolvido diretamente na morte de um judeu. No entanto, com o acerto final, conseguiu a notoriedade e reconhecimento que buscou ao longo de toda a vida.

Até que ponto cumprir nossos deveres implica num atentado contra a condição humana? Ate que ponto o nosso agir, ou não agir, está envolvido mesmo que indiretamente na banalização do mal?

Diariamente temos na mídia notícias do péssimo atendimento dispensado à população nos hospitais públicos. Em maio do presente ano, foi publicada mais uma notícia sobre uma mulher que morreu na sala de espera de um hospital por falta de atendimento. O caso aconteceu no município Santo Antônio de Jesus, a 187 quilômetros de Salvador, no Hospital Regional. Segundo a notícia publicada:Todos os funcionários presenciaram a agonia da vítima, mas ninguém tomou qualquer providência para o seu atendimento. Desesperada, ela tentou invadir o hospital em busca de socorro, mas os seguranças, usando de violência, a impediram.
(http://www.pmdbbahia.com.br/site/?p=15855)

Notícias como essa, invadem os jornais, a mídia de maneira geral. Não causam mais espanto, são comuns. Por serem comuns, são banalizadas.

A população de maneira geral, ainda se emociona e discorre por horas sobre o último jogo do seu time de futebol preferido. Final de campeonato brasileiro pára uma cidade. A copa do mundo pára o mundo.

Atentar contra a condição humana não mais causa espanto.

Para a autora, a liberdade é a condição humana essencial. Somos livres na presença de outros na mesma condição. Não existe liberdade na presença de um não-livre, assim, os regimes totalitários, da violência, jamais poderiam permaner, pois essa não seria uma escolha, mas uma imposição. Liberdade para pensar, apaixonadamente, nas coisas dessa vida, e poder livremente expressar, mesmo que não a favor de um sistema, de uma idéia, de uma condição.

A política assim cumpre o seu papel, na medida em que convence sobre o que acha certo ou errado, prioritário ou irrelevante. Convence pela cultura do pensamento e da palavra livre, que por respeito à condição humana não fere, mas enobrece.

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.